sábado, 30 de janeiro de 2016

SOBRE RITMO DE JOGO (II) E PLANEJAMENTO DE SISTEMAS DEFENSIVOS

Como prometi no post passado, sairia do plano puramente teórico para mostrar algumas sugestões que se relacionam com o ritmo de jogo para situações reais de jogo. São ideias mais vinculadas ao lado estratégico do futebol, diria, algumas possíveis soluções que sua equipe poderia vir a oferecer para determinados confrontos específicos. Para esse post falarei de planejamento de sistemas defensivos para uma partida:


Estrategia defensiva levando em conta o ritmo de jogo


Na hora de planejar um confronto, alguns (diria muitos ate) gostam de priorizar a observação do adversário com enfoque de observar os pontos fortes do rival. Com claro objetivo de anula-los (ou ameniza-los ao menos), os treinadores pensam em quais mecanismos ele vai reforçar dentro do seu modelo que facilitem que esse objetivo seja cumprido. Nessas horas, entra a importância do analista (que até pode ser o próprio treinador), identificando esses comportamentos no rival e avaliando como isso pode se aplicar a realidade de nossa equipe. Porem, muitos ignoram essa variável que estamos estudando nesse texto: a velocidade do jogo.

Vamos avaliar primeiro a nível micro: uma ação individual de pressionar o portador da bola busca reduzir o espaço do mesmo. Isso tende a forcar um certo aumento instantâneo no ritmo do rival, já que, alem de forcar o adversário a tomar decisões mais rápidas, essa ação de sair da posição para reduzir gera um pequeno desequilíbrio local na estrutura da sua equipe e, naturalmente, isso cria uma consequência no adversário em tentar explorar esse espaço o mais rápido possível.

Porem, ninguém joga sozinho. O adversário pressionado possui companheiros oferecendo linhas de passe em diversas direções (em apoio, em profundidade, de retorno...), e isso possibilita que com um passe ele consiga se livrar da pressão individual que o afetava e assim “consiga” determinar o ritmo que a bola vai ter. Em compensação, esse mesmo homem da marcação possui parceiros que dão cobertura exatamente para evitar que esse segundo adversário, que hipoteticamente recebeu o passe, consiga ter mais espaço para controlar a velocidade do jogo.

Na imagem a esquerda, foco na ação de pressão. Ela busca acelerar a ação do portador da bola, enquanto as opções de passe do adversário visam manter o controle do ritmo da partida. Ja a direita, englobamos as ações de cobertura ao homem que pressionou anteriormente e como visam evitar que o adversário mantenha esse controle do ritmo, fazendo uma nova pressão ao novo portador, buscando acelerar as ações naquele local.

Agora vamos a outro caso. Um jogador meu simplesmente exerce a contenção sobre o adversário, sem pressiona-lo. Ele mantem uma certa distancia a ponto de não pressionar o rival e se move numa velocidade de modo a não gerar tanto desequilíbrio na estrutura da sua equipe. Com isso, o portador tem tempo-espaço para controlar o ritmo a seu modo, porem minha equipe se encontra bem organizada, com objetivo de deixar o jogo mais lento. Ele (o dono da posse) pode resolver acelerar a circulação/progressão de forma a tentar gerar um desequilíbrio em meu sistema, manter a posse para manter/reduzir o ritmo, pode reter a bola sobre seu domínio para esperar melhor colocação de seus companheiros e pensar melhor a partida....

Nesse vídeo abaixo podemos observar essas situações nas jogadas mostradas. Observe como o Stoke busca acelerar a sua circulação e a boa coesão da equipe do Liverpool consegue muitas vezes frear essa tentativa de deixar o jogo em rotação mais alta. Mire os confrontos entre jogador com a bola e defensor direto e avalie como eles estão buscando modificar o ritmo da partida. Avalie o contexto no entorno deles e como o mesmo favorece para a ação de acelerar/reduzir.

Créditos: Valter Nascimento

Desenvolvi essa abstração geral para introduzir algumas coisas que muitos treinadores (não disse todos, muito menos disse que era maioria) levam em conta na hora de se planejar defensivamente. Conceitos como equilíbrio, zonas de pressão, direcionamento/indução, vigilância e temporização (principalmente) estão diretamente relacionados com a velocidade que o confronto toma. Abaixo, uma mostra das zonas de pressão feitas pelo próprio Liverpool nesse jogo contra o Stoke

Zonas de pressão do Liverpool numa partida contra o Stoke. Créditos: Valter Nascimento

Penso que o planejamento defensivo (*obs ao final do post) passa por três situações: aonde pretendo roubar a bola (criação de zonas de pressão), quais espaços vou prioritariamente proteger (onde buscarei me manter compacto e para onde evitarei direcionar o jogo) e quais jogadores do adversário eu quero desativar (desativar diga-se colocar em situações não vantajosas ou então induzir o adversário a não encontrar passe para esse jogador). E como farei (pensando no contexto do confronto) para que meus planos para esses três aspectos fiquem fáceis de acontecer.

Gosto de tomar uma seguinte linha de raciocínio: se tenho um adversário que se sente confortável a atacar num ritmo mais alto, eu devo fazer de tudo para que o jogo se desenvolva num ritmo mais baixo. Fazer com que a partida corra numa velocidade que os jogadores rivais não se sentem confortáveis e os meus confortáveis deve ser objetivo meu. Logo, ações que visem manter o equilíbrio estrutural da equipe, mantendo a distancia de relação entre os jogadores menor; exercer contenções que venham a direcionar passes do adversário para zonas de pouco perigo, dentre outros são boas ideias para reduzir o ritmo de circulação da equipe. Ate o velho recurso da falta é muitas vezes utilizado pensando nisso

O inverso também é valido. Equipes que gostam de atacar mais pausado poderiam ser levadas pela nossa equipe a jogar um jogo mais veloz que muitas vezes não esta acostumada. Acoes de pressing, reduzindo espaço; ou ate mesmo ter a bola no campo deles, forcando um jogo de contra-ataque no qual não são tao fortes, são possíveis sugestões interessantes. Lembrando que o planejamento defensivo tem que estar atrelado ao ofensivo e os momentos de transição idem. O jogo é fluido!

Abaixo, uma analise de Jed Davies mostrando um Liverpool (em contexto diferente) que claramente buscava acelerar o jogo de um Manchester City, que se sentia mais confortável a ritmos menores.


Nas transições ataque-defesa por exemplo, uma equipe que prioriza reestabelecer o bloco defensivo visa retardar as ações de contra-ataque do rival. Já um time que visa recuperar a bola logo, busca acelerar as ações do adversário que recem recuperou a posse. Nesse próximo vídeo, veremos mostras de transição defensiva do Atletico de Madrid, em que englobam as situaçoes citadas.

Créditos: Futbolscouting

Nao podemos ignorar as trocas de ritmo, ate porque nenhuma equipe joga numa mesma velocidade o tempo todo. Elas ajudam a poupar energia da sua equipe, ajudam a restabelecer equilíbrio em momentos de desequilíbrio próprio, cansam/desconcentram rivais, gerando desequilíbrios neles interessantes, dentre outros efeitos. Avaliar aonde, quando e como cada equipe gosta de acelerar, reduzir, quem o faz na equipe e etc., são aspectos importantes a se analisar na hora de planejar um jogo.

Ha outras variáveis do confronto a se observar. O clima, o gramado, o fato de ser casa-fora, a situação atual do campeonato, todas influenciam no ritmo a ser aplicado. Acho que durante a partida, uma das coisas que mais afeta nisso também é o placar momentâneo. Um time que esta ganhando tende a reduzir o ritmo, enquanto o que esta perdendo tende a acelerar suas acoes. O Barcelona de Pep era um que conseguia usar a posse como ferramenta defensiva em momentos que estava a frente do placar.


Créditos: pensandoojogo

Deixando bem claro que são tendencias. Nao existe regra fixa para determinar circunstancias num fenômeno tao complexo como o futebol. A ideia é levantar essa variável para ser analisada mais a fundo e entender suas aplicações dentro da realidade do jogo. No próximo post, discutirei sobre ritmo x planejamento ofensivo. Abraços!

(*) Obviamente, nem sempre o que se é planejado acaba sendo bem executado em campo. Mas quando uma equipe inteira trabalha junta CONSCIENTEMENTE para condicionar o jogo a seu gosto, ela tende a ter mais controle. Estimular isso no processo de treino, fazendo seus jogadores serem expostos a contextos diferentes que impliquem em ritmos diferentes; incentivar com questionamentos sobre qual velocidade de jogo é melhor de se ter numa certa circunstancia e somar ideias relacionadas a isso em seus feedbacks são coisas de extrema importância para que os futebolistas consigam se habituar a observar isso, ganhando mais repertorio para manipular melhor essa variável.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Sobre ritmo de jogo (I)

Nessa semana, como ja havia dito em minha página, vou buscar desenvolver um aspecto do jogo de futebol que é de certa forma intuitivo, mas que é pouco discutido mais a fundo:

O RITMO DE JOGO

Fonte: IBC Coaching

Ritmo de jogo é um conceito que normalmente está muito associado a velocidade das ações em um determinado momento de uma partida. Cada circunstância ocorrida dentro de uma partida tende a ocorrer numa certa rapidez dependendo de como ela se desenvolve. E sua acurácia está vinculada ao "timing" que essas respectivas ações foram executadas.

Muitos atualmente acreditam que o jogo tem que ficar cada vez mais acelerado e que jogadores que não se adequam a isso não tem mais vaga no futebol atual. Questiono bastante essa afirmação, tendo em vista que em n momentos a pausa pode ser interessante. Defendo mais a posição de que é a nossa equipe que deve controlar o tempo, tomando ações coletivas e individuais em prol disso para poder dominar o adversário. Se quero desacelerar o jogo em um determinado instante, que eu consiga fazer com que a circunstancia fique desacelerada. E tudo tem que ter um propósito dentro do seu jeito de jogar para que a ideia de desacelerar aconteça.

VELOCIDADE DO JOGO X ACERTO

Muitos consideram como ideal o tal equilíbrio por velocidade x acerto das jogadas. Vejo que o jogo não tem essa natureza linear que muitos tem na cabeça. Logo acreditar que almejaremos a máxima velocidade sob a maxima eficiencia é uma espécie de utopia. Há de saber lidar com a realidade. A tendencia de um jogo mais veloz é que ocorram mais erros por falhas de concentração natuais, assim como um jogo mais pausado tende a ajudar num maior acerto das ações, porém essa boa circunstancia tende a ocorrer poucas vezes devido as condições de dificuldade que os adversários nos impõem (pressão no portador da bola, pressing, etc.). 

Saber gerir onde e quando acelerar, onde e quando pausar, são situações que o próprio jogo te exige. Ter isso bem definido dentro da estratégia para uma partida é essencial e para isso deve-se conhecer como seus jogadores tendem a impor ritmo na partida e como os adversarios reagem a essas mudanças e vice-versa. Deve-se perceber também a reação da equipe como um todo a uma determinada velocidade do jogo exigida.

EQUIPES X RITMO

O ritmo é algo que deve ser avaliado no âmbito coletivo e individual. Vamos ao primeiro. Instruir uma equipe a acelerar o jogo no seu todo pode facilitar na hora de explorar espaços num adversário, mas ao mesmo tempo pode induzi-la a erros e a possíveis espaços no momento defensivo seguinte a serem explorados. Assim como um time que reduz o ritmo pode almejar maior acurácia nas suas ações, juntando mais a sua equipe, porém pode ter mais dificuldades de criar espaços e progredir. Atingir esse equilíbrio, sabendo muda-lo no tempo certo ajuda para evitar um maior desgaste e conseguir dominar o adversário

Vou deixar um vídeo editado por Gonzalo Escudero que mostrou um confronto entre Barcelona e Real. Quando que as equipes buscaram acelerar o jogo com a bola? E as equipes sem bola, que ritmo estavam buscando impor no jogo? Perguntas que responderei ao longo da semana:


JOGADORES X RITMO

Como o futebol é dos jogadores, são eles que determinam de que forma o tempo correrá dentro das partidas. Tomando decisões técnicas, como: reter a bola, esperar uns microssegundos para dar um passe; eles conseguem controlar a velocidade do jogo a seu gosto. Uns tendem a reagir melhor a situações de rotação mais alta, já outros preferem reduzir o ritmo para que o jogo ocorra no seu tempo. 

Um jogador que goste de partir para cima em situações de 1x1 tende a fazer o jogo ficar mais rápido quando a bola fica sob seus pés. Já um jogador que goste de reter a bola, controlá-la tende a fazer o jogo ficar mais lento no seu entorno. Dois exemplos simples que ajudam a exemplificar isso, mas que não o definem por completo. N variáveis devem ser analisadas:

- Quanto tempo o jogador fica com a bola nos pés quando a recebe? Como a controla/a recebe?

- Sob que velocidade esse jogador conduz a bola?

- Em que momento o jogador busca realizar os seus passes? Como isso influencia na velocidade do jogo?

- Em que situações o jogador muda o ritmo quando possui a bola? Por que?

- Que tipos de movimento sem bola esse jogador tende a fazer de forma a acelerar/reduzir a velocidade do jogo?

- Com que velocidade ele reage quando sua equipe perde a bola? O que ele busca fazer?

- Como esse jogador reage a situações de pressão (quando o adversario está buscando acelerar o seu ritmo)?

- Esse jogador busca pressionar adversários ou realiza somente contenção?

- Em situações de 1x1 defensivo, esse jogador consegue retardar movimentos de seu oponente?

- E quando a equipe recupera? Que ritmo ele tende a se encontrar nos momentos seguintes da recuperação?

São algumas das perguntas a se fazer na hora de avaliar um jogador sob essa perspectiva. É importante ter isso dominado, até para poder encaixá-lo de modo que suas características sejam melhor exploradas fazendo sua equipe ganhar vantagem com isso.

Agora reveja o vídeo anterior observando esses aspectos. Como cada jogador influenciou na velocidade do jogo? Que ações que o jogador realizou e que vieram a acelerar/reduzir o confronto? Que efeitos isso gerou no adversário e na sua equipe?

Enquanto isso, observemos um pouco de um dos maiores controladores de ritmo da história: Xavi Hernandez.


Já nesse, recomendo avaliar um pouco a Douglas Costa, jogador que faz com que cada toque na bola seu seja sinônimo de acelerar o seu entorno:


Tudo o que eu falei até agora foi bem vago, mas que ajuda a entender os próximos posts, quando colocarei situações práticas disso. Falarei sobre ideias para defender equipes que jogam sob um ritmo alto, ideias para atacar equipes que tentam impor um ritmo baixo no jogo, como pensar num possivel encaixe para jogadores que se sentem mais confortaveis em ritmos diferentes. Sairei desse plano teórico chato para ir para a prática. Abraços!